POLUIÇÃO DO MAR É DESAFIO CRESCENTE PARA O BRASIL
País lança no ambiente marinho quase 3,5 milhões de toneladas de plástico e isopor por ano; setor de seguros pode ajudar a minorar o problema, apontam biólogos e a ONU. Por: Mário Moreira
Embora esta seja a Década do Oceano (2021-30), conforme declaração da Organização das Nações Unidas (ONU), o ambiente marinho continua fortemente pressionado em todo o mundo por diversos agentes poluentes, em particular o material plástico. O acumulado de lixo plástico nos oceanos gira hoje entre 86 milhões e 150 milhões de toneladas, segundo estimativas. De acordo com um estudo do projeto Blue Keepers, realizado pelo Pacto Global da ONU no Brasil, o País sozinho lança potencialmente no ambiente 3,44 milhões de toneladas de material plástico e isopor a cada ano, entre sacolas plásticas, garrafas PET e outros produtos.
Para tentar mitigar o problema, as Nações Unidas aprovaram, no início de março, o Tratado do Alto-Mar, primeiro acordo internacional para preservação das águas oceânicas situadas fora das Zonas Econômicas Exclusivas dos países – aquelas limitadas a 200 milhas náuticas a partir da costa. O tratado visa proteger a biodiversidade e os ecossistemas marinhos, em especial contra os efeitos das mudanças climáticas. O texto prevê, entre outras medidas, a criação de um mecanismo de financiamento para ajudar os países em desenvolvimento a implementar o acordo.
No início do ano passado, a ONU já havia lançado o documento “Diving Deep: Finance, Ocean Pollution and Coastal Resilience” (Mergulhando Fundo: Finanças, Poluição Oceânica e Resiliência Costeira), exortando instituições bancárias, companhias de seguros e investidores a participar do financiamento de programas de proteção aos oceanos.
“Bancos, seguradoras e investidores têm um papel fundamental a desempenhar no financiamento da transição para uma economia azul sustentável, ajudando a reconstruir a prosperidade oceânica e a restaurar a biodiversidade do oceano”, afirma o documento, que acrescenta: “Por meio de suas atividades de empréstimo, subscrição e investimento, bem como de seus relacionamentos com clientes, as instituições financeiras têm um grande impacto na saúde dos oceanos e o poder de acelerar e integrar a transição sustentável das indústrias ligadas ao oceano.”
Na definição da ONU, uma economia azul sustentável é “aquela que proporciona benefícios sociais e econômicos para as gerações atuais e futuras; restaura, protege e mantém ecossistemas diversificados, produtivos e resilientes e é baseada em tecnologias limpas, energia renovável e fluxos circulares de materiais. Seu crescimento é impulsionado por investimentos que reduzem as emissões de carbono e a poluição, aumentam a eficiência energética, aproveitam o poder do capital natural e os benefícios que esses ecossistemas proporcionam, além de frear a perda de biodiversidade”.
POLUIÇÃO DOS RIOS
No caso brasileiro, grande parte da poluição plástica chega ao mar proveniente do interior, conduzida pelos rios e seus afluentes. Em outro diagnóstico divulgado pela Blue Keepers, sete cidades sem praias marinhas – Manaus, Teresina, Brasília, Goiânia, Campo Grande, Belo Horizonte e Contagem (MG) – foram identificadas como as responsáveis pelas maiores quantidades de lixo plástico que chegam ao mar por via fluvial. O estudo indicou ainda a Baía de Guanabara, a cidade de Belém, a Lagoa dos Patos (RS) e as fozes dos rios Amazonas, São Francisco e da Prata (continuação do Paraná) como os locais com maior risco de vazamento de lixo plástico para o oceano.
“Os efeitos do lixo no mar são variados, duradouros e abrangentes. Há forte impacto na biodiversidade”, afirma Alexander Turra, biólogo do Instituto Oceanográfico da USP e coordenador da cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano. “A ingestão de plástico, por exemplo, pode ter efeito agudo, quando o animal morre, ou crônico, quando o faz não sentir fome. Quanto menor o tamanho dos resíduos, maior a gama de organismos capazes de ingeri-los. Já as redes de pesca degradam os recifes de coral e sufocam a biodiversidade.”
A bióloga Tânia Marcia Costa, do Instituto de Biociências da Unesp (campus do Litoral Paulista), lembra que os manguezais, muito frequentes nos estuários brasileiros, funcionam como grandes sequestradores de carbono da atmosfera e são fortemente impactados pela poluição.
“São áreas de grande acúmulo de sedimentos, o que propicia abundância de alimento para os animais e uma fauna muito diversificada, que acabam sendo afetadas pelo lixo que recebem. Muitos resíduos, principalmente de plásticos, vão sendo quebrados até atingirem os estuários e já chegam como microplásticos, sendo engolidos até por animais pequenos. O lixo acumulado nessas áreas pode impedir o desenvolvimento da vegetação e os animais de fazerem suas tocas”, diz Tânia.
Segundo Turra, o problema ambiental resulta também em graves problemas socioeconômicos – afetando atividades pesqueiras e turísticas, por exemplo – ou de saúde pública, pela ingestão de alimento de origem marinha contaminado por resíduos plásticos. Ele conta que o Pontal do Paraná, próximo à Ilha do Mel, registra perda anual de US$ 8,5 milhões por conta da fuga de turistas ocasionada pela poluição marinha.
PAPEL DO SEGURO
O pesquisador acredita que as companhias de seguros deveriam, como propõe a ONU, tomar a frente no processo de mitigação do problema. “As seguradoras têm um poder de indução tremendo. No caso do Pontal do Paraná, elas poderiam criar produtos para garantir as necessidades da economia local ou oferecer seguros para apetrechos de pesca. Os pescadores que rastreiam suas redes certamente pagariam menos”, exemplifica. “O setor segurador seria um grande aliado na qualificação de atividades para reduzir a poluição nos oceanos.”
Turra coordena a parte técnica do programa internacional Pellet Zero, que prevê o envolvimento de toda a cadeia produtiva mundial do plástico para reduzir a contaminação dos mares por esse material. Atualmente, o biólogo tenta estimular a participação da Organização Marítima Intergovernamental (órgão da ONU que trata da navegação) no programa. Os pellets são pequenos grânulos de resina usados para produzir diferentes tipos de plástico.
“Um dos grandes elementos estruturantes para mudanças nas embarcações são as seguradoras. Se uma carteira de pellets cair no mar, vai passar a exigir cuidados da empresa marítima para que isso não volte a acontecer.”
De acordo com a CNseg, as companhias de seguros avaliam com bastante interesse a participação em projetos voltados para a redução da poluição marinha. Segundo a entidade, o setor teria muito a ganhar, tanto em termos de oportunidades de negócios quanto de imagem, segundo a diretora da Superintendência de Sustentabilidade e Relações de Consumo da CNseg, Ana Paula Almeida Santos.
“O envolvimento das seguradoras nas questões ambientais tende a crescer e a estar alinhada com o processo de descarbonização da economia e a evolução da sociedade na busca de um meio ambiente cada vez mais livre de poluentes”, afirma ela.
Para Tânia Marcia, o envolvimento da iniciativa privada para minorar os efeitos da poluição marinha seria fundamental. Ela defende investimentos em um trabalho de base, desde o saneamento básico até a educação da população, e entende que muita gente joga lixo nos rios porque não tem saneamento.
“Como explicar isso para quem mora em palafitas?”, questiona. “Na hora em que começarmos a não receber mais serviços dos ecossistemas – como o oxigênio e os alimentos que vêm do oceano –, seremos obrigados a parar e a rever tudo. A atuação das empresas privadas nesse setor pode ser muito proveitosa, mas ainda engatinha no Brasil”, conclui.