Por que a automação industrial ainda engatinha no Brasil?

Por que a automação industrial ainda engatinha no Brasil?

Governo oferece programas específicos para a chamada Indústria 4.0, com a promessa de repassar R$ 300 bilhões em recursos para inovação até 2026.

Por: Renata Batista

Já virou moda: qualquer evento, de inovação ou não, tem um robô tão humanoide quanto permitem o orçamento e o avanço tecnológico para entreter os visitantes. Eles cantam, dançam ou fazem algum outro tipo de gracinha, enquanto as pessoas sonham com o dia em que poderão fugir da cozinha ou temem o momento em que perderão o emprego.

 

Essa realidade, porém, ainda segue distante das indústrias na maior parte do País — apesar de tecnologias essenciais para iniciativas de automação, gêmeos digitais e muitas outras, como a transmissão em 5G, poderem alcançar mais de quatro mil municípios brasileiros. Não foi por acaso, portanto, que o Governo desenvolveu programas específicos para a chamada Indústria 4.0. A promessa é de mais de R$ 300 bilhões em recursos para inovação até 2026 — um volume considerável que precisa chegar na ponta.

 

Luiz Rubião, sócio de Capital Projects & Asset Transformation da Deloitte, explica que há indústrias na dianteira desse movimento, principalmente nos setores automotivo e do agronegócio. A realidade varia muito, porém, dentro de cada uma das cadeias de produção. Em geral, o grau de automação depende do tamanho da empresa.

 

Ele explica que existem setores que estão mais avançados, na média. Mas é comum encontrar, em um mesmo setor, diversos estágios de automação, dependendo principalmente do porte das empresas. Além disso, a inovação continua sendo uma decisão de negócio. Precisa fazer sentido.

 

“No setor automotivo, por exemplo, as montadoras têm um alto nível de automação, mas, por outro lado, as indústrias de autopeças ainda são pouco automatizadas. Às vezes, até contam com equipamentos específicos (de corte, por exemplo), que são bem sofisticados, mas não é algo que cubra toda a produção”, explica.

 

APOIO E INCENTIVO

Não se trata de falta de soluções. Segundo Rubião, existe um ecossistema bem interessante de fornecedores de tecnologia no País, com bom nível de empreendedorismo e capacidade de inovação. O que falta, muitas vezes, é apoio e incentivo mais sistemático.

 

Alguns bons exemplos desse ecossistema puderam ser vistos durante a Rio Inovation Week (RIW), maior conferência global de tecnologia e inovação, que aconteceu de 13 a 16 de agosto, na Região Portuária do Rio de Janeiro. Luís Gonzaga Trabasso, pesquisador-chefe do Instituto Senai de Inovação em Sistemas de Manufatura e Processamento a Laser, por exemplo, apresentou um robô — nada humanoide — capaz de pintar plataformas de petróleo com uma produtividade 30 vezes maior, menos perdas, mais qualidade e muito menos risco para os trabalhadores.

 

Enquanto isso, em outro armazém da RIW, inteiramente dedicado à inovação no agronegócio, a Sucellus Agroambiental mostrava sua solução de agricultura digitalizada. Mapeamento aéreo, geoprocessamento, monitoramento de parâmetros de solo e clima e gestão financeira via aplicativo para pequenos produtores, desenvolvidos com o apoio do programa Doutor Empreendedor, da Fundação Carlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

 

Os dois setores — petróleo & gás e agro, representando também alimentos e bebidas — são os principais usuários de tecnologias da Indústria 4.0, segundo o Observatório da Indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Juntos, representam mais de um terço da receita destas tecnologias, seguidos por energia e serviços públicos, eletrônica e fundição e pela indústria automotiva.

 

Quando se compara a evolução das soluções de Indústria 4.0 no Brasil com a de outras regiões, os dados da CNI, porém, ainda não são muito animadores. A América Latina, Brasil incluído, responde por apenas 7% das receitas, contra 34% da Europa, 28% da América do Norte e 24% da Ásia. Na Europa, quem mais investe é a Alemanha.

 

Os dados da CNI indicam que o mercado da Indústria 4.0 brasileira deve atingir US$ 5,62 bilhões em 2028, com uma taxa de crescimento anual composta de 21% no período de 2023 a 2028. Como a expectativa é que a receita global em automação duplique até 2028, alcançando US$ 355 bilhões, o País precisa acelerar o esforço na chamada “reindustrialização”, para não perder mais essa oportunidade.

 

“Com um apoio mais sistemático, acho que poderíamos ter grandes avanços no País”, afirma o sócio da Delloite, citando a iniciativa de criação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), uma das pontas do programa de Governo ‘Nova Indústria Brasil’.

 

NOVAS TECNOLOGIAS

O programa, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), tem, entre outras metas, a aspiração de transformar digitalmente 90% das empresas industriais brasileiras até 2033. Para isso, visa assegurar que a participação da produção nacional triplique nos segmentos de novas tecnologias. Considera como áreas prioritárias não apenas a chamada Indústria 4.0, mas também iniciativas de Produtos Digitais e Semicondutores e conta com iniciativas paralelas, como o Plano Nacional de Internet das Coisas (IoT) e o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) 2024-2028.

 

“O movimento de reindustrialização e a adoção da Indústria 4.0 no Brasil dependem de combinação estratégica de acesso a recursos, inovação e a natureza empreendedora do País”, resume o MDIC.

 

No início do ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, durante reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), prometeram mobilizar R$ 330 bilhões até 2026 para apoiar a indústria no processo.

 

A proposta é articular linhas de crédito especiais, recursos não reembolsáveis, ações regulatórias e de propriedade intelectual para barrar a desindustrialização precoce do País. A política de obras e compras públicas, com incentivos ao conteúdo local, também voltou a figurar no cardápio.

 

Um dos principais instrumentos da política, a Letra de Crédito de Desenvolvimento (LCD), saiu do papel no fim de julho. Trata-se de um instrumento semelhante às já consagradas Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Letra de Crédito Agrícola (LCA). No caso da LCD, no entanto, o investimento com benefícios fiscais será direcionado para indústria, inovação e pequenas empresas. Além disso, apenas bancos de desenvolvimento poderão emitir os títulos, até o limite de R$ 10 bilhões.

 

Para o BNDES, que administra uma carteira de crédito de mais de R$ 500 bilhões, trata-se de um volume de recursos não muito significativo. O banco informa, no entanto, que já direcionou neste ano quase R$ 50 bilhões para o Plano Mais Produção, o braço de financiamento do Nova Indústria Brasil.

 

Desse total, quase 80% foram aplicados nos eixos Produtividade e Inovação, não apenas pelo BNDES, mas também pela Finep e pela nova Embrapii, cujo modelo de atuação é o mesmo que tornou a Embrapa líder em pesquisa e inovação e motor de transformação do agronegócio.

 

“A criação da Embrapii e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) são exemplos positivos, mas demandam tempo para colher frutos. A Embrapa foi fundada no início da década de 1970, e ainda demorou um tempo razoável para o Brasil mudar de importador para grande exportador de alimentos”, analisa Rubião.

 

A conferir o resultado desses investimentos, já que as informações do Portal da Transparência do banco ainda dão poucas pistas sobre que tipo de investimentos estão nesta carteira.

 


O que é indústria 4.0?

 

São tecnologias avançadas que estão mudando as formas de produção em todo o mundo, com automação, serviços inteligentes, integração de sistemas, sensores e equipamentos. Internet das coisas na Indústria, Inteligência Artificial, Transformação Digital, Computação em Nuvem, Manufatura Aditiva, Segurança Cibernética, Robótica, a Simulação, a Digitalização e o Big Data se misturam com o objetivo de garantir mais produtividade, de forma mais sustentável e com mais segurança.

 

Conheça cada uma delas:

 

  • Internet das Coisas: sensores e dispositivos conectados que coletam e trocam dados para otimizar processos e melhorar a eficiência operacional.
  • Inteligência Artificial e Machine Learning: algoritmos que permitem a análise de grandes volumes de dados e a tomada de decisões automatizadas, além de possibilitar manutenção preditiva e personalização de processos.
  • Robótica: robôs industriais e colaborativos que realizam tarefas repetitivas e complexas com alta precisão, aumentando a produtividade e a segurança no ambiente
    de trabalho.
  • Automação de Processos Robóticos: softwares que automatizam tarefas administrativas e operacionais repetitivas, melhorando a eficiência e reduzindo erros.
  • Computação em Nuvem: serviços baseados em nuvem que oferecem escalabilidade e flexibilidade para armazenar e processar dados, bem como suportar a integração de sistemas e o acesso remoto a informações.
  • Big Data: ferramentas que analisam grandes volumes de dados e fornecem soluções para incrementar a tomada de decisões estratégicas
    e operacionais.
  • Sistemas Ciberfísicos: integração de sistemas físicos e digitais para criar ambientes de produção mais inteligentes e adaptáveis, como na manufatura aditiva e sistemas de controle distribuído.
  • Segurança Cibernética: tecnologias e práticas para proteger sistemas e dados contra ameaças digitais, incluindo firewall, criptografia, autenticação multifatorial e análise de segurança.

 


 

Tecnologia 5G pode chegar a 4.302 municípios brasileiros

 

Porta de entrada da Indústria 4.0, a chegada da conexão mais veloz foi liberada pela Anatel em cidades de 19 estados

 

 

Segundo o MDIC, o número de consumidores conectados à tecnologia 5G mais que triplicou em um ano. São 28 milhões de consumidores que utilizam o 5G e 4.302 municípios onde a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) conseguiu liberar as frequências necessárias para a chegada da conexão mais veloz, essencial para a Indústria 4.0.

 

“Esses municípios estão em 19 unidades da federação e reúnem 192 milhões de brasileiros, 90,20% da população do País”, afirma o MDIC, destacando o alcance da tecnologia.
Segundo o Ministério, a tecnologia oferece avanços significativos em conectividade e desempenho em comparação às gerações anteriores de redes móveis. Isso permite a transmissão rápida de grandes volumes de dados, a criação de redes privadas de alta capacidade e a conexão de um número muito maior de dispositivos simultaneamente.

 

“Isso é especialmente importante em ambientes industriais em que muitos sensores e dispositivos estão interligados. Também garante maior segurança e controle sobre os dados, já que a comunicação é restrita à empresa, reduzindo a exposição a ameaças externas”, explica o MDIC.