POTENCIAL DE SEGUROS PARA IDOSOS É POUCO EXPLORADO NO PAÍS

POTENCIAL DE SEGUROS PARA IDOSOS É POUCO EXPLORADO NO PAÍS

O Brasil envelheceu nos últimos anos e tem hoje 35 milhões de pessoas com mais de 60 anos. Mas 52,9% das seguradoras não vendem produtos para esse público.

Por: Mário Moreira

O mercado de seguros para a terceira idade é um universo ainda a ser explorado no País. Essa é a principal conclusão do estudo “Público Sênior: Oportunidades e Desafios para o Mercado Segurador – Fase II”, da Comissão de Inteligência de Mercado (CIM) da CNseg. O trabalho analisou os produtos e serviços voltados ao público sênior no Brasil e a atenção a essa faixa etária em cinco outros países relevantes para o mercado segurador mundial. Afinal, com o aumento da longevidade, a “economia prateada” é um dos nichos mais promissores.

 

O projeto foi dividido em duas frentes. Na primeira, 40 seguradoras brasileiras receberam um questionário sobre como lidam com o público sênior, tanto do ponto de vista dos produtos e serviços quanto das ações de comunicação e análises de informações. A segunda frente foi uma avaliação do atendimento ao idoso em cinco países: Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e Chile.

 

A escolha considerou a relevância econômica e o índice de idosos na população, com base num relatório feito em 2017 pelo Swiss Re Institute. Os quatro primeiros países estão entre os dez maiores mercados de seguros e respondem por 53% do bolo mundial; já o Chile foi incluído como representante sul-americano. Em comum com o Brasil, todos registram queda na natalidade, alta na expectativa de vida e necessidade de rever os sistemas previdenciários.

 

A comparação é importante, pois o Brasil é o país que mais envelheceu nos últimos anos, contando hoje com 35 milhões de pessoas com mais de 60 anos, e, até 2030, terá a quinta maior população idosa do mundo. Das 17 empresas que responderam à enquete, 52,9% não vendem produtos destinados aos mais velhos, e 70,6% não oferecem serviços para eles. Já 47,1% dessas companhias não fazem análises voltadas ao público com 60 anos ou mais, e só 17% realizam ações de comunicação específicas. Tudo isso num setor em que 28% dos clientes são idosos.

 

“Existe um mercado que não está sendo adequadamente explorado pelas seguradoras. Elas ainda não perceberam o potencial de negócios dessa faixa etária”, diz Antonieta Scarlassari, líder do grupo de trabalho da CIM que elaborou o estudo. Segundo ela, há muitos produtos e serviços que podem ser pensados para os idosos, mas faltam dados e pesquisas para o mercado investir mais nesse nicho. “Contratar um seguro de vida pode sair muito caro, mas um de acidentes domésticos, com serviços atrelados, pode ficar atrativo para o cliente e rentável para a seguradora.”

 

Martin Henkel, diretor da SeniorLab Mercado & Consumo 60+, destaca que 25% dos 73 milhões de lares do País têm maiores de 60 anos como principal ou única fonte de renda. Tal contingente de idosos deverá ter este ano uma renda total de R$ 1,26 bilhão, calcula ele. “É miopia não aproveitar o público 60+, que é o maior consumidor de garantia estendida e o que mais pede a ampliação de cobertura para danos a terceiros.”

 

Para Sérgio Duque Estrada, embaixador no Brasil da organização internacional Aging2.0, as áreas de marketing das empresas são hoje comandadas por jovens que desconhecem a realidade dos mais velhos. “Eles tendem a colocar todos no mesmo saco, quando há necessidades e desejos distintos. A forma de comunicar deve ser diferente para quem tem 60 ou 80 anos.”

 

 

EXEMPLOS DO EXTERIOR

Os demais países analisados registram graus variados de atenção aos idosos, mas em todos há iniciativas que mostram preocupação com eles. Os Estados Unidos lideram o mercado mundial de seguros, com 28,15% do volume total de prêmios e 15,4% da população com 65 anos ou mais. Os gastos com a saúde dos idosos chegam a US$ 1,2 trilhão/ano. Como não há sistema público universal de saúde, as pessoas precisam contratar planos ou seguros.

 

A previdência pública, baseada em repartição, é considerada insustentável devido ao envelhecimento da população. Assim, ter previdência privada é comum no país. Há iniciativas, também privadas, que aproximam as gerações, como a da startup Papa, que criou uma rede de apoio conectando idosos a jovens que podem realizar tarefas domésticas ou levá-los para passear. Outro projeto são os condomínios e cidades para a terceira idade, como The Villages, na Flórida, com 120 mil habitantes.

 

É preciso ter mais de 55 anos para morar lá e usufruir de uma vasta infraestrutura. Na China, segunda no ranking do seguro (11,07%) e com 10,6% da população maior de 65 anos, a pirâmide etária mudou muito desde a Política de Filho Único, de 1979. O rápido envelhecimento pressionou a Previdência e fez o país alterar regras do sistema. A queda do número de filhos fez muitos idosos ficarem desamparados, levando à adoção de medidas de proteção. Segundo uma pesquisa do HSBC, 38% dos aposentados chineses dependem de poupança para cobrir seus gastos. Várias soluções foram adotadas para aumentar o acolhimento aos idosos. Os mais pobres são abrigados em asilos públicos.

 

Têm surgido empreendimentos imobiliários privados para o público sênior. Algumas seguradoras criaram casas de repouso como cobertura das reservas técnicas. Há também serviços para quem prefere continuar em casa, com seguro de vida e assistência médica. O Japão é o terceiro maior mercado segurador (8,63%), e os idosos são 27% da população. Desde 1961, existe um serviço universal de seguros de saúde e previdência, com assistência, serviços de bem-estar social e manutenção da saúde. Todos têm direito a um dos seis planos de seguro de saúde, incluindo um para os trabalhadores do setor privado e outro para autônomos, desempregados e aposentados.

 

Com a queda da natalidade e a crescente participação das mulheres no trabalho, o cuidado com os idosos nos lares diminuiu. Em 2000, foi criado o Seguro Assistência de Longo Prazo, que arrecada uma contribuição obrigatória de todas as pessoas a partir de 40 anos e provê serviços como visita em domicílio e estadia em asilos. Esse seguro se juntou a uma lei de 1983 que definiu que os custos de tratamentos geriátricos seriam bancados não só pelo Seguro de Saúde Nacional, mas também pelos planos de seguros dos empregados e pelos próprios idosos.

 

Uma revisão posterior da lei deu mais ênfase à prevenção, para que problemas moderados de saúde pudessem melhorar sem tratamentos complexos. A Previdência vem sendo reformada, com corte de 5% nos benefícios e aumento da idade mínima para 65 anos. Mas um estudo do Governo prevê dificuldade de pagar os benefícios até 2100.

 

PROJETOS PARA IDOSOS

 

Também na Alemanha – sexto maior mercado de seguros (4,56%) e com 21,5% de idosos –, a Previdência sofre mudanças. Em 2007, a idade mínima subiu de 65 para 67 anos, até 2029. Cerca de 70% dos trabalhadores têm previdência privada ou pensão complementar. Idosos incapazes de viver sós são financiados pelo Seguro de Atendimento na Velhice.

 

A assistência aos mais velhos é uma das melhores do mundo: eles são incentivados a trabalhar, estudar ou praticar outras atividades. O sistema de saúde funciona bem. Há projetos para os idosos, como serviços de entrega de refeições e moradias compartilhadas. Condomínios para a terceira idade são bastante populares. Por fim, o Chile, com 11,1% acima de 65 anos, é considerado modelo de saúde pública para idosos na América Latina. Em 2003, foi criado o SEMANA (Servicio Nacional del Adulto Mayor), que é público e visa melhorar a vida dos mais velhos, incentivando sua participação social e criando uma rede de apoio. Além de ações em saúde e segurança social, o SENAMA envolve projetos como as Cidades Amigáveis, que apoiam a qualidade de vida dos idosos.

 

O grande drama chileno foi o sistema previdenciário de capitalização criado em 1981, que reduziu o valor das aposentadorias e gerou uma explosão de casos de suicídio. Em 2008, instituiu- se um Pilar Solidário para o sistema previdenciário, incluindo pensão para idosos em situação vulnerável e um complemento para as aposentadorias. A iniciativa, porém, desequilibrou o sistema, e o Governo cogita elevar as alíquotas de contribuição. Apesar da diversidade desses países, há pontos em comum no que se refere aos seguros.

 

Tal como aqui, existe pouca oferta de produtos e serviços para idosos, e a idade limite de contratação não condiz com a crescente longevidade. Mas há diferenças com o Brasil. “Sempre fomos vistos como um país jovem. Isso mudou, mas ainda não estamos maduros para perceber o problema. É um processo”, diz Antonieta. Martin Henkel concorda:

 

“Estamos muito atrasados, mas nunca se falou tanto sobre idadismo. Algumas empresas já estão atentas e se movendo em direção a esse mercado. A tendência é que continue melhorando”. Segundo Duque Estrada, o envelhecimento populacional e o aumento da longevidade no Brasil começaram a forçar uma mudança. Ele destaca o surgimento das seniortechs, startups especializadas em soluções tecnológicas para o público 50+, na trilha das fintechs e das insurtechs. “É um mercado que precisa ser encarado.”