RISCOS NAS BARRAGENS DO PAÍS AUMENTAM COM AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

RISCOS NAS BARRAGENS DO PAÍS AUMENTAM COM AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A maioria das unidades do País foi construída com base em estudos que não levaram em conta os efeitos extremos do clima. Casos de Mariana e Brumadinho inspiraram uma série de medidas de segurança.

Por: Fernanda Thurler

A segurança das barragens de mineração no Brasil tem sido alvo de grande atenção nos últimos anos, tanto em razão dos acontecimentos trágicos que trouxeram à tona os riscos associados a essas estruturas, quanto dos eventos de precipitação extremos, como ciclones, tempestades e chuvas intensas, resultantes das fortes variações climáticas registradas no mundo todo.

 

Não por acaso, a resiliência das barragens frente aos impactos das mudanças climáticas é hoje uma questão global, como ficou claro na pauta da Reunião da Comissão Internacional de Grandes Barragens, realizada em junho, em Gotemburgo, na Suécia. No Brasil, os desastres nas cidades mineiras de Mariana (em 2015) e Brumadinho (2019) alertaram para a necessidade urgente de reavaliar e fortalecer as práticas de segurança entre barragens — e, desde então, o setor vem enfrentando desafios significativos, mas também registra avanços notáveis.

 

O Relatório de Segurança de Barragens 2022 (RSB 2022) informa que o número de barragens identificadas pelos órgãos de fiscalização como preocupantes no ano passado (122) foi 35% inferior ao registrado em 2021 (187). Segundo o levantamento, somente em oito estados as barragens não são fonte de preocupação: Amazonas, Mato Grosso, Paraíba, Paraná, Rondônia, Roraima, Santa Catarina e Sergipe. Os que têm barragens em situação de risco são: Pará (35), Minas Gerais (14), Pernambuco (13), Rio Grande do Sul (13) e Espírito Santo (dez).

 

“Essas estruturas não necessariamente representam risco de rompimento. Elas são analisadas sob a ótica de um conjunto de informações fornecidas e de acordo com critérios estabelecidos por cada órgão fiscalizador, o que inclui gestão, manutenção e correção das anomalias”, informa o coordenador de Regulação de Segurança de Barragens da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Rogério Menescal.

 

Segundo ele, as classificadas como preocupantes pelos Órgãos Fiscalizadores de Segurança de Barragens (OFSBs) são as que apresentam algum tipo de comprometimento quanto à segurança e, em caso de acidente, podem representar perda de vidas humanas. “Essas estruturas devem ser levadas em consideração na aplicação de recursos, na implementação de políticas públicas e, principalmente, na definição de critérios de prioridade para atuação dos órgãos fiscalizadores.”

 

Os relatórios de segurança são elaborados anualmente, sob a coordenação da ANA, com base em informações enviadas pelos 33 órgãos de fiscalização. O objetivo é apresentar à sociedade um panorama da evolução da segurança das barragens brasileiras e da implementação da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).

 

MAIS SEGURANÇA

 

Estabelecida pela Lei nº 12.334/2010 (alterada pela Lei nº 14.066/2020), a PNSB aumenta as exigências de segurança das barragens, proíbe o uso de barragem a montante e prevê multas de R$ 2 mil até R$ 1 bilhão aos infratores.

 

A norma estabeleceu ainda a implementação do Sistema de Classificação de Barragens de acordo com o Risco (CRI) e Dano Potencial Associado (DPA), a criação do Plano de Segurança de Barragens (PSB), do Sistema de Informações Sobre Segurança de Barragens (SNISB), do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (Sinima) e do Relatório de Segurança de Barragens (RSB).

 

O relatório aponta ainda diretrizes para a atuação de fiscalizadores e empreendedores desse tipo de estrutura, oferecendo insumos para a promoção de ações preventivas e corretivas junto aos envolvidos na temática de segurança de barragens — que podem ser a montante, a jusante e em linha de centro.

 

O RSB vem registrando, desde 2018, avanço na implementação da PNSB, com o aumento do cadastro das estruturas, que passou de 22.654 para 23.977 — um incremento de 6% entre 2021 e 2022. Mas, na avaliação de Menescal, a implementação efetiva da PNSB é um desafio para os atores do sistema em razão das barragens do País que ainda não estão classificadas, cadastradas ou sequer documentadas.

 

“Apesar da evolução considerável dos últimos anos, é evidente a necessidade de ampliar os trabalhos de localização e cadastramento das barragens e identificar os respectivos empreendedores. Ainda há muito a evoluir para o cumprimento e o alcance das exigências estabelecidas na PNSB.”, diz Menescal.

 

Entre outros fatores, o coordenador da ANA destaca a necessidade de aumento da dotação orçamentária e dos investimentos privados nas ações da política de segurança das barragens. Os recursos aplicados em ações de infraestrutura e segurança tiveram queda de 12% entre 2021 e 2022: de R$ 127,8 milhões para R$ 113 milhões. “A conscientização sobre a necessidade de se disponibilizar mais recursos públicos e privados vem aumentando, mas o montante efetivo ainda está aquém da necessidade”, afirma.

 

FISCALIZAÇÃO

 

De acordo com a Política Nacional de Segurança de Barragens, a ANA é responsável pela fiscalização das barragens de usos múltiplos da água em corpos hídricos de domínio da União para as quais emite outorga de direito de uso de recursos hídricos, exceto para geração hidrelétrica, que são fiscalizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). No caso das estruturas para armazenamento de rejeitos de mineração, a fiscalização fica a cargo da Agência Nacional de Mineração (ANM).

 

Com base na Declaração de Condições de Estabilidade (DCE) das estruturas de barragens enviadas pelas mineradoras semestralmente, a ANM também emite relatórios, que, ao fim do ano fiscal, são copilados e enviados à ANA. De acordo com as DCEs recebidas pela agência em setembro, houve um significativo aumento no número de barragens cuja segurança foi atestada: das 456 barragens inseridas na PNSB, 93% atestaram estabilidade em suas estruturas.

 

O superintendente de Segurança de Barragem de Mineração da agência, Luiz Paniago, credita o excepcional resultado à ação fiscalizatória da ANM em conjunto com as ações de segurança feitas por todos stackeholders do processo: Ministério Público, auditorias, consultorias e os empreendedores.

 

De fato, tanto a indústria quanto os órgãos reguladores têm implementado padrões mais rigorosos em relação ao design, construção e manutenção de barragens. Isso inclui auditorias independentes e avaliações de risco mais abrangentes. Mas ainda são muitos os desafios. Entre eles, a resolução da ANM que estabeleceu a descaracterização das barragens de mineradoras até 2027, afirma o especialista na área Luis Arís, também gerente de Desenvolvimento de Negócios da Paessler Latam.

 

Arís explica que a descaracterização consiste na drenagem da barragem e plantio de vegetação no local que antes abrigava o rejeito produzido pelas mineradoras. “Esse delicado processo é feito sem a retirada do rejeito, que se torna parte da paisagem. Essa é uma metacrítica para o setor minerador brasileiro, responsável por 3% do PIB em 2022”, avalia.

 

Segundo ele, trata-se de um processo extremamente delicado e que exige o uso de tecnologias de monitoramento para ser feito com segurança. O processo é regulado por um protocolo criado em 2020 a partir de uma iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), do Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM) e dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI).

 

O marco para a segurança das barragens, incluindo as que não serão descaracterizadas, é o Global Industry Standard Tailings Management (GISTM), diz ele. “É o padrão que estabelece as melhores práticas, 15 princípios e 77 requisitos, para a gestão do ciclo de vida dos depósitos de rejeitos, incluindo o projeto, a operação e o fechamento da barragem”.

 

O protocolo GISTM exige ainda a manutenção dos processos de monitoração pelo período de dois anos após o fechamento da barragem. “Isso colabora para reduzir os riscos inerentes ao processo de descaracterização das barragens.”

 

A abordagem, observa Arís, contribui para que o setor avance na agenda ESG, “O relatório divulgado pela Delloite em 2022 aponta o atraso da indústria mineradora brasileira em relação à de países como Canadá e Austrália em questões de sustentabilidade e inclusão social. As lições aprendidas com Brumadinho e Mariana estão mudando o mercado mundial de mineração. Nessa jornada, tecnologias preditivas de monitoração ajudam as mineradoras a eliminar, com segurança e controle, as barragens a montante do mapa”, analisa.

 

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

 

Diego Baptista de Souza, mestre em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental e presidente da Nova Engevix Engenharia, destaca a mudança do clima como uma ameaça importante à segurança das barragens. “No Brasil, temos pelo menos dez mil barragens de pequeno a grande portes. A maior parte construída com base em premissas hidrológicas pré-mudanças climáticas, ou seja, sem considerar os riscos advindos da intensificação dos eventos extremos”, afirma.

 

Segundo ele, a não consideração desses riscos ocorre inclusive em países do primeiro mundo, onde pouquíssimos proprietários de barragem ou órgãos reguladores têm uma estrutura ordenada ou cientificamente defensável para descrever os efeitos das alterações climáticas nas precipitações extremas.

 

“Para o caso de adaptar as barragens às chuvas mais intensas, devem ser consideradas a direção das mudanças climáticas e as metodologias mais apropriadas para barragem ou sistema específico.” Na avaliação de Souza, também é necessário considerar o tamanho e/ou classificação de consequência de uma barragem.

 

“É provável que se adote uma ação diferenciada para pequenas barragens em comparação às grandes. As primeiras foram projetadas para critérios mais baixos e podem ser impactadas de forma diferente. Na prática, isto significa garantir que as barragens existentes sejam resilientes às mudanças climáticas.”

 

Souza observa ainda a necessidade de investimentos em estudos hidrológicos, considerando análises mais robustas, incluindo verificação de hipóteses de estacionaridade de séries, análises de riscos e cenários das cheias máximas prováveis.

 

“Para muitos casos, são indicadas obras de adaptação (retrofit), tanto em aumento dos órgãos extravasores, quanto em alteamento das barragens, além de soluções mais inteligentes e eficazes de operação, como melhora do monitoramento e da previsão hidrometeorológica e revisão de regras de operação dos reservatórios”.

 

O engenheiro afirma que, considerando o enorme contingente de barragens existentes, todo o processo demandará vultuosos investimentos nas próximas décadas. “Esse é o próximo paradigma a ser vencido no setor barrageiro brasileiro, que ainda não incorporou em seus planejamentos essa nova condição”, conclui.