SETOR DE SEGUROS PATINA NA ARGENTINA COM INSTABILIDADE ECONÔMICA
Volume de prêmios do seguro no país vem passando por um processo de estancamento nos últimos cinco anos, segundo o diretor-executivo da AACS, Gustavo Trias Por: Bruno Iglesias
“O crescimento do mercado segurador está rigorosamente vinculado ao desenvolvimento da economia da Argentina: quando se estuda a evolução dessa relação nos últimos anos no país, pode-se observar uma correlação entre prêmios e expansão do PIB”. A afirmação foi feita por Gustavo Trias, diretor-executivo da Associação Argentina de Companhias de Seguros (AACS), em entrevista à Revista de Seguros.
Segundo ele, nos últimos anos, a Argentina tem experimentado um processo que oscila entre crescimentos e quedas permanentes da economia. “É nesse cenário que, há cinco anos, os prêmios do setor exibem um notório estancamento”, acrescentou. Trias explicou que, quando os prêmios do mercado segurador argentino são analisados em valores constantes, é possível constatar que, em 2021, os montantes são praticamente idênticos aos de 2016, com pequenas alterações nos anos que entremeiam esse período.
“Enquanto automóveis aumentou sua participação no total do volume de prêmios emitidos pelo mercado de 35% para 39%, os seguros de pessoas diminuíram sua participação, passando de 20%, em 2011, a 15%, em 2021.” Gustavo Trias
As estatísticas publicadas pela Superintendência de Seguros da Nação (SSN), órgão de controle do setor na Argentina, equivalente à Susep, mostram que o volume de prêmios emitidos na Argentina passou de 1.083.121 bilhões de pesos, em 2016, para 1.035.019 bilhões, em 2021 – uma queda de 4,65%.
Nesse período, o mercado de seguros local só teve dois anos de expansão no valor constante dos prêmios emitidos: em 2017, com um resultado positivo do 8,67%; e em 2020, com 9,46% de incremento. Os outros anos do período mostram tendências negativas, com o momento mais baixo observado em 2019, quando a queda interanual ultrapassou o patamar de 14%.
RELAÇÃO ENTRE RAMOS
Os prêmios do mercado da Argentina se distribuem em quatro grupos: 39% correspondem aos seguros de automóveis; 23% aos de acidentes do trabalho; 15% aos seguros de pessoas; e 23% aos seguros patrimoniais. “Essa relação entre os ramos tem se mantido estável nos últimos cinco anos. Mas, se analisarmos os últimos dez anos, essa mesma relação apresenta outros percentuais: enquanto automóveis aumentou sua participação no total do volume de prêmios emitidos pelo mercado de 35% para 39%, os seguros de pessoas diminuíram sua participação, passando de 20%, em 2011, a 15%, em 2021”, afirmou.
Compreender o porquê desse desempenho dos prêmios do mercado segurador argentino é, para Gustavo Trias, uma questão fundamental, pois mostra uma característica própria da estrutura do mercado no país. Ele explicou que, embora a alta participação dos seguros de automóveis seja comumente observada em quase todos os países, na Argentina há o seguro obrigatório de responsabilidade civil de automotor, exigido para a circulação dos veículos, que está incluído nos seguros de auto.
“Outro ramo de relevância é o seguro de acidentes de trabalho, também de contratação obrigatória para as empresas quando incorporam trabalhadores ao seu quadro de funcionários. Dessa forma, 62% dos prêmios estão relacionados com a obrigatoriedade de adquirir um seguro”, explica o diretor. Outra particularidade sobre o mercado segurador argentino, segundo Gustavo Trias, tem a ver com os seguros de pessoas, um produto que, diferentemente do que é observado na maioria dos mercados do mundo, não tem conseguido obter uma penetração importante na população argentina; provavelmente, isso esteja vinculado à desvalorização da moeda nacional ao longo do tempo.
E acrescentou: “Somente nos últimos dez anos, a inflação acumulada no país superou 700%. Essa realidade acaba gerando uma desconfiança muito grande, que consome a poupança em pesos argentinos e corrói a renda tanto das pessoas quanto das empresas”. De qualquer maneira, o problema para o desenvolvimento dos seguros de vida não se limita simplesmente à questão inflacionária, mas, na opinião do diretor-executivo da AACS, inclui também a ausência de estímulos fiscais reais para a aquisição desse tipo de cobertura.
PROBLEMA DA INFLAÇÃO
A falta de crescimento e o incremento incessante da inflação são, provavelmente, dois elementos indispensáveis para entender a dinâmica negativa tanto da economia quanto do mercado segurador. Em 2019, a inflação no país chegou a 53,5%, no ano seguinte a 42% e, em 2021, a 50,9%. Segundo a maioria dos especialistas, no final deste ano o índice ficará entre 80% e 100%. Em um cálculo otimista, a inflação acumulada dos últimos quatro anos será de aproximadamente 226%. E isso gera diferentes problemas.
E qual o impacto da dinâmica inflacionária no desenvolvimento do mercado segurador? De um lado, impõe ajustes permanentes nos prêmios para tentar acompanhar a evolução dos sinistros. “No ramo de automóveis, a inflação tem consequências adicionais, como a escassez de peças de reposição, situação gerada pelas dificuldades de acesso aos recursos necessários para importação”, diz Trias.
Porém, a inflação não gera unicamente incrementos nos preços pela ausência de oferta de peças de reposição, mas também um forte impacto no aumento das fraudes e da violência patrimonial. Com o crescimento ininterrupto da inflação, também sobe a frequência dos roubos parciais, por exemplo. “Os roubos de rodas de veículos ultrapassaram 270 mil casos no último ano”, pontua ele. Além disso, continuou Trias, os gastos vão se elevando constantemente, mas os prêmios sempre esbarram em tetos como consequência da alta competitividade de um mercado que, em 2021, contou com a participação de 191 empresas seguradoras.
“Assim, além da perda de renda causada pela crise econômica, que afeta a população toda e reduz a contratação de seguros, adiciona-se um outro elemento: o comportamento das quase 200 empresas seguradoras que, para não perderem sua porção do market share, acabam forçando o decréscimo dos preços”. Gustavo Trias salienta um outro ponto atingido por esse fenômeno, levando em conta que o setor de seguros deve cuidar zelosamente das reservas de capital para responder aos sinistros futuros.
“Estamos em um mercado em que os investimentos financeiros estão gerando juros reais negativos, convertendo-se em mais um problema que impacta, de maneira negativa e permanente, os resultados do setor”, comentou. Segundo ele, quase 40% dos investimentos do setor segurador concentram- se em títulos públicos da República Argentina, e esses são instrumentos financeiros que vêm sofrendo uma queda permanente nos últimos anos.
INICIATIVAS
Inserido nesse ambiente pouco amigável, com uma crise econômica que aflige o país e suas atividades há vários anos, o mercado segurador continua trabalhando para melhorar e inovar todos os dias, propiciando novas formas de se aproximar dos clientes, incorporando tecnologia e novas metodologias de trabalho, oferecendo melhores e mais eficientes experiências para um setor que precisa muito conseguir um dinamismo maior em suas operações. Nesse sentido, é possível testemunhar, constantemente, o acerto de alianças estratégicas entre insurtechs e companhias do mercado segurador tradicional.
E isso acontece tanto no nível comercial como no distributivo e no pós-venda. “Foram muito positivas algumas das ações do mercado, que praticamente possibilitaram a 100% das companhias seguradoras da Argentina distribuir suas apólices de maneira digital, e a maior parte da arrecadação pelas cobranças do setor já está sendo feita digitalmente”, destacou o diretor-executivo da AACS.
Nos últimos anos, com a atual administração da Superintendência de Seguros da Nação, tem sido propiciada uma interação mais ativa do setor segurador através das denominadas Mesas Participativas, um espaço de diálogo construído pelo órgão de controle e para as quais se convocam diferentes representantes (dependendo do tema a ser tratado) do mercado, para criar e facilitar soluções conjuntas aos problemas comuns.
“São espaços em que o órgão de controle e os diferentes atores do mercado se reúnem tanto para obter acordos em diferentes projetos e problemas conjunturais quanto para combinar quaisquer assuntos relacionados com o futuro da nossa atividade. Embora os processos possam ser às vezes vagarosos, continua sendo um espaço ótimo para trabalhar, desenvolver e melhorar a situação atual do mercado e das regulamentações”, detalha Trias.
Ele conclui afirmando que o mercado segurador argentino tem um desafio permanente, que é tentar traspassar as crises econômicas que vêm atingindo o país nos últimos anos, procurando não destruir suas fortalezas. “No entanto, também tem a responsabilidade de enxergar no médio e no longo prazos para se adaptar às novas modalidades de trabalho, de relacionamento e de convívio, assumindo um compromisso fundamental na geração de produtos e de investimentos sustentáveis que possibilitem construir um lugar melhor para se viver”.