TECNOLOGIA E INOVAÇÃO SÃO USADAS NO COMBATE À LITIGÂNCIA PREDATÓRIA

TECNOLOGIA E INOVAÇÃO SÃO USADAS NO COMBATE À LITIGÂNCIA PREDATÓRIA

Assistência jurídica com uso de dados é sugestão do mercado segurador para clientes do Garantia Judicial, como forma de barrar o número de ações contra o mesmo réu.

Por: Renata Batista

O assessoramento jurídico com uso de inteligência de dados, estatística e técnicas de análise de dispersão na avaliação de processos entrou na lista de recomendações do setor de seguros para grandes clientes que contratam seguros de Garantia Judicial. A medida é uma tentativa de responder ao desafio da chamada litigância predatória – o ingresso de várias ações judiciais iguais, em diversos juizados, contra o mesmo réu. A prática crescente causa prejuízos anuais de bilhões de reais, compromete a atuação de algumas empresas e representa aumento de sinistralidade para as seguradoras.

 

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estima que canais adequados para mediação de conflitos, que atuem de forma ágil, poderiam resolver mais de 90% das reclamações registradas. O desafio no caso da litigância predatória, porém, é que muitas vezes o autor nem sabe que ingressou com a ação.

 

“Existe um padrão. Os advogados fabricam situações e causas e usam procurações e comprovantes de residência falsos e chegam a entrar com até 50 mil processos. Podem perder 95%, mas causam prejuízo para a empresa e para o Judiciário, porque não há sucumbência. Para eles, é uma loteria”, afirma o advogado Henrique Parada.

 

Atuando no rastro de ações predatórias há quatro anos, Parada explica que, na maioria dos casos, a parte autora sequer sabe da ação judicial. A maior parte do trabalho, porém, é feita com o uso de tecnologia, que também é utilizada pelo outro lado em um processo quase industrial para redigir petições iniciais.

 

“Temos uma área voltada para análise de dados e identificação de possíveis agressores, logo no início. Conseguimos parametrizar as ferramentas e, com o uso de inteligência artificial, vasculhar todos os bancos de dados da Justiça. Muitas vezes, eles começam com dez processos em uma cidade pequena, logo são cem e, daqui a pouco, mil”, completa.

 

O foco da Parada Advogados é o mesmo da Justiça: identificar profissionais que estejam se valendo dessas práticas. Recentemente, o juiz do Trabalho Marcelo Alexandrino da Costa Santos, da 3ª vara de Nova Iguaçu/RJ, condenou um advogado a uma multa de R$ 1,7 milhão. Ele estava por trás de 18 processos contra uma empresa de varejo.

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e alguns tribunais regionais, como o TJSP e TJMG, vêm atuando com o mesmo propósito. Os processos mobilizam esforços e recursos da Justiça. No fim das contas, oneram o contribuinte.

 

PREJUÍZO DE BILHÕES

 

Um estudo feito pelo TJSP identificou 503 casos com características de litigância predatória no tribunal entre 2016 e 2021, que, dependendo da metodologia de cálculo, podem ter gerado entre 300 e 600 mil movimentações processuais em média por ano. O custo estimado: cerca de R$ 2,7 bilhões ao ano.

 

Os cálculos são feitos com base no estudo de 30 casos de litigância predatória e na estimativa do TJMG de que 30% dos processos decorrem dessas ações. “O custo é estimado a partir da movimentação processual. Não leva em conta outras despesas comuns, como perícias técnicas ou custos indiretos das partes com a contratação de advogados”, informa o TJSP.

 

Todo esse impacto está no radar de empresas, seguradoras, escritórios de advocacia e das corregedorias de Justiça e já levou empresas a pensar em deixar alguns mercados, como uma companhia aérea que não queria mais voar para um estado da Região Norte devido à elevada judicialização de processos.

 

O Relatório de Riscos Globais 2024 da Marsh aponta os resultados adversos de inteligência artificial e outras tecnologias de fronteiras, como as que permitem ingressar com petições em massa, entre os principais riscos para os próximos dez anos. Segundo o relatório, um dos caminhos para mitigar esses riscos está na colaboração entre os agentes, mesmo em um cenário cada vez mais fragmentado.

 

Para João Duarte, diretor de Seguro Garantia na Aon Brasil, o produto de seguro Garantia Judicial segue como alternativa importante, pois é mais ágil e menos oneroso para a empresa garantir o cumprimento das obrigações judiciais. É importante, porém, estar atento a esses movimentos que impactam diretamente a sinistralidade das carteiras. É ele que recomenda o assessoramento jurídico.

 

“O ideal é o assessoramento jurídico especializado, aliado a uma consultoria de riscos adequada que disponha de um amplo banco de dados do mercado contendo julgados e pareceres, além de estrutura para apoio técnico aos advogados da empresa”, resume.

 

VIA JUDICIAL

 

No entendimento do gerente de Garantia do IRB(Re), Luciano Valina, o melhor caminho para se combater a litigância predatória é mesmo a via judicial, o que acaba protegendo as carteiras do segmento de seguro garantia.

 

“Na prática, o seguro poderia servir de instrumento para salvaguardar a empresa que é alvo de litigância predatória durante o tempo em que ela busca solução para o conflito. Por isso, eventuais impactos podem ocorrer, mas em volumes que não são considerados relevantes para o segmento”, afirma Valina.

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) chama a atenção para a importância de se diferenciar condutas lesivas da chamada litigância repetitiva, que é reflexo de um contexto realmente crítico de atuação empresarial. O risco de não se fazer isso, afirma, é dificultar o acesso à Justiça.

 

“A litigância repetitiva, que envolve lesões de massa, é evidentemente legítima. O desafio do CNJ é orientar o sistema para que gerencie melhor seu acervo e não generalize o combate a fraudes, dificultando o acesso à Justiça aos lesados nas relações de consumo”, declara o conselheiro Marcello Terto.