Turbulências frequentes nos voos sacodem o mercado
Estudos apontam crescimento exponencial do risco nas próximas décadas, dado que já impacta as planilhas de seguradoras e resseguradoras no Brasil e no mundo. Por: Claudio Henrique
Sabe aquela hora em que até a pessoa que diz ter zero medo de avião se vê segurando e apertando a mão de quem está na poltrona ao lado, porque, no meio do voo, a aeronave começa a chacoalhar? O fenômeno tem nome bem conhecido: turbulência. O que pouco se falava até aqui era a existência de uma variante do fenômeno, a chamada ‘turbulência de céu claro’ (ou ‘limpo’), que acontece sem qualquer aviso prévio, ventos, nuvens ou tempestade. É considerada a modalidade mais perigosa, pois pega tripulação e passageiros desprevenidos.
A novidade é que a ocorrência, antes rara, vem se tornando mais e mais frequente — segundo pesquisadores, trata-se de outro efeito indesejável das mudanças climáticas em curso no planeta. Importantes institutos de estudos e pesquisas apontam um crescimento exponencial do risco nas próximas décadas. Um dado que, naturalmente, já está na cabeça e nas planilhas das empresas do mercado de seguros e resseguros. No Brasil e no mundo, é impossível não começar a planejar essa rota.
“Há questões atuais na aviação que estão preocupando e envolvendo mais as empresas de seguro do que, por exemplo, o extravio de bagagens. É a ‘turbulência de céu claro’, que já está sob atenção do mercado”, diz o coordenador da Subcomissão de Seguros Aeronáuticos da FenSeg, Carlos Eduardo Polizio.
Ele cita outro aspecto do mercado de aviação que já provocou efeitos práticos e econômicos devido às mudanças climáticas: o seguro de hangares de avião. “A maior incidência de eventos e tempestades aumentou o número de desabamentos de hangares, e várias ações foram tomadas, como novas exigências, mais restrições e apólices com valores mais altos”, comenta Polízio.
Fatos recentes aumentam o foco do mercado para a questão. Como a morte de um passageiro por ataque cardíaco durante uma turbulência severa em um voo da Singapore Airlines, em maio último, entre Reino Unido e Cingapura. Em poucos minutos, o avião caiu dois mil metros. Além do britânico de 73 anos, vítima fatal, dezenas de passageiros ficaram feridos.
As turbulências em voos já geram gastos de milhões de dólares anualmente para as companhias aéreas por conta de ferimentos, atrasos, danos e desgaste de aviões. Com a possibilidade de mais turbulências no futuro, as empresas aéreas trabalham com o provável aumento dos custos dos voos.
Por enquanto, a melhor medida de segurança pode ser tomada pelos passageiros: manter o cinto afivelado a qualquer momento do voo.
Segundo ele, a notícia boa é que as aeronaves modernas já são projetadas para suportar as turbulências, mesmo severas. “Não tenho conhecimento, na História da aviação, de nenhum caso de queda de avião em voo intercontinental por turbulência”, diz o professor da Escola de Negócios e Seguros (ENS) Bruno Kelly.
“As principais companhias construtoras de aeronaves, como Boeing e Airbus, já estão atentas a isso, desenvolvendo aviões ainda mais resistentes à turbulência, alterações que também podem impactar os valores de apólices de seguro. Das dez rotas com mais turbulência no mundo, seis estão no Brasil. E a busca por rotas mais seguras gera voos mais caros e mais poluentes”.
Números que prometem balançar as apólices de aviação
Caminhos e providências semelhantes já precisam estar no horizonte das seguradoras no que se refere a apólices na aviação a partir do crescimento das chamadas ‘turbulências de céu claro’, pois os números são de balançar qualquer análise.
1. Estudo publicado ano passado na ‘Geophysical Research Letters’ observou que a concentração de gás carbônico aumentou cerca de 30% entre 1979 e 2020 na região norte do Oceano Atlântico. No mesmo período e local, as ‘turbulências de ar puro’ cresceram 37%. No Brasil, a probabilidade de ocorrer esses eventos moderados ou fortes dobrou nas últimas quatro décadas;
2. A mesma revista, em 2017, já publicara pesquisa indicando que as ‘turbulências de ar puro’ severas irão aumentar mais do que as moderadas. Isso chegará a um ponto em que as turbulências severas, no norte do Atlântico, passarão a ser tão comuns quanto as moderadas;
3. Em março de 2023, foi a vez dos pesquisadores da Universidade de Reading e do ‘National Center for Atmospheric Science’ (NCAS), ambos no Reino Unido, atestarem e alertarem, em artigo publicado na revista ‘Climate Dynamics’, que no futuro deveremos ter um aumento da frequência de turbulências devido ao aquecimento global. “Nossos resultados confirmam que o setor de aviação deve se preparar para um futuro mais turbulento” — foi a conclusão dos autores da pesquisa;
4. Publicação anterior de um dos autores, o físico Paul D. Williams, apontou que a quantidade de turbulências leves a moderadas aumentará em cerca de 75%, enquanto as de moderadas a severas aumentarão em 127%, e as mais graves, em 149%. Tudo prevendo um futuro com o dobro das concentrações atmosféricas de gás carbônico;
5. Outro trabalho, da Universidade de Reading, verificou que a turbulência severa aumentou 55% nas últimas quatro décadas devido ao impacto das mudanças climáticas; e os pesquisadores acreditam que esse número de ocorrências pode duplicar ou triplicar nas próximas décadas.