VAMOS TER QUE APRENDER A SER MUITO MAIS EFICIENTES

VAMOS TER QUE APRENDER A SER MUITO MAIS EFICIENTES

Me deixou muito atônito, quando fui presidente do BID, saber que em mais de 20 países da região só 45% dos latino-americanos consideravam a democracia útil para melhorar suas vidas.

Por: Vagner Ricardo & Vania Mezzonato / Colaboração: Rodolfo Campos

A economia global passa por uma enorme transformação, saindo do processo de globalização para o de regionalização. O mundo começará a viver a era do conhecimento, que chegará a uma velocidade jamais vista e provocará grandes mudanças nas formas de produção.

 

“Isso é muito positivo e também muito negativo, no sentido de que teremos sociedades cada vez mais fraturadas. E aqui a parte cívica é um tema central. Não se trata simplesmente de ir às ruas protestar, mas de estar informado, exigir e entender muito bem quais são seus direitos. Essa é a grande transformação do mundo, somada à econômica, e vai nos exigir muito mais eficiência”, afirma o ex-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno, nesta entrevista exclusiva à Revista de Seguros.

 

Moreno é diplomata, ex-embaixador da Colômbia nos Estados Unidos e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Econômico Mundial (WEF). Seu nome está entre os de palestrantes internacionais confirmados para a maior Conferência de Seguros da América Latina, a Fides Rio 2023, que ocorrerá de 24 e 26 de setembro deste ano.

 

O senhor é um dos curadores da Fides Rio 2023. Quais são as principais oportunidades e os desafios comuns do mercado segurador na América Latina?

Moreno – É importante situar o momento em que nos encontramos e o contexto trazido pela pandemia, que ainda não terminou, e seus efeitos econômicos e sociais no curto prazo. O panorama do setor de seguros em toda a América Latina e no Brasil é que a cobertura é muito baixa. O percentual de latino-americanos que têm seguro não passa 2% ou 3%, enquanto em outros países chega a 40% ou 50%. As seguradoras precisam entender como aumentar essas coberturas, não só para seguros residenciais, de acidentes e de vida, que já fazem parte da cultura de consumo do seguro.

 

Depois da expansão estimada de 3,7% em 2022, a América Latina projeta 1,3% para 2023. Em 2021, foi de 6,7%. Olhando a sequência de desaceleração, pode-se dizer que o baixo crescimento é uma realidade na região?

Temos que considerar os últimos 20 anos para entender essa questão. A América Latina vinha de uma época em que houve muitos ventos a favor, como a alta dos preços dos produtos básicos, o que começou a gerar um ciclo virtuoso em que os países tinham dívidas baixas e moedas fortes, principalmente os grandes exportadores, como é o caso do Brasil. O nível da dívida e as grandes contas de uma economia, que são os superávits fiscais ou déficit e superávit de conta-corrente, permitiram um ciclo positivo, que foi interrompido primeiramente pela crise financeira internacional, em 2008 e 2009, e depois pela queda generalizada de crescimento na América Latina. Lamentavelmente, ainda tivemos os efeitos da Covid-19.

 

Tudo isso somado gerou um grande retrocesso nas taxas de crescimento e, consequentemente, na saúde e na educação. Milhões de jovens latino-americanos perderam o ano e não terão como repor a qualidade da educação perdida. Isso arrastou as economias. Eu não me concentraria na fotografia de um ano, mas no significado do que essa trajetória representou para os países.

 

Quais são os fatores que freiam o crescimento da AL e por que os países da região não conseguem seguir a mesma dinâmica dos países asiáticos, por exemplo?

Isso tem muitas explicações. Uma é o quanto a produção industrial do mundo está concentrada na Ásia, aproximadamente 50%. Essa produção vem sendo feita por meio de cadeias de valor de um país a outro. Especialmente por via marítima, construíam produtos em distintas geografias com destino ao mercado mundial. Na outra parte da grande produção do mundo, 20% estão na Europa e outros 20% na América do Norte (México, Canadá e Estados Unidos) e no resto do mundo estão 10%. Então, o fato é que não comercializamos o suficiente como o mundo inteiro. Os países latino-americanos pequenos – não falo do Brasil – não têm alternativa para crescer a não ser por meio do comércio exterior. Aí temos um déficit.

 

Qual foi o papel da globalização nesse processo?

O mundo, durante 30 anos, teve um bônus de paz, fruto da queda do Muro de Berlim e da aceleração da globalização, fundamentalmente por via do comércio. No entanto, os fatos que têm se sucedido com a guerra na Ucrânia nos levaram a dar conta de um caso irreversível de enorme transformação da economia global: de um processo de globalização para um de regionalização. Nesse processo, a energia ganha um valor supercentral, e as formas de energia que consumimos exigem a transição dos combustíveis fósseis para os renováveis, de forma a buscar baixas emissões para cumprir as metas do Acordo de Paris.

 

Tudo isso virá acompanhado, necessariamente, de uma enorme revolução. E é fundamental que nossos países, obviamente, façam parte dessa revolução, e que o trem da História não nos deixe como nos deixou a revolução industrial ou as brechas digitais – que foram muito aceleradas na pandemia. O Brasil é um grande exemplo: os brasileiros passam mais tempo nas redes digitais do que em qualquer parte do mundo. E agora vem outra grande revolução, a da inteligência artificial.

 

Que mudanças devem ocorrer com essa nova revolução?

Se antes tínhamos a globalização do comércio, agora vamos ter a globalização do conhecimento. E esse conhecimento vai chegar a uma velocidade jamais vista. Teremos grandes transformações na produção. Há companhias hoje que não terão mais a mesma força em dez ou 15 anos. Isso é muito positivo e também muito negativo, no sentido de que teremos sociedades cada vez mais fraturadas.

 

E aqui a parte cívica é um tema central. Não se trata simplesmente de ir às ruas protestar, mas de estar informado, exigir e entender muito bem quais são seus direitos. Essa é a grande transformação do mundo, somada à econômica. E vamos ter, claramente, como resultado de tudo isso, menor crescimento econômico. E vamos ter que aprender a ser muito mais eficientes no que fazemos. Ninguém sabe como vai terminar essa década. A questão é: vamos abraçar essas mudanças e fazer parte desse processo ou seremos apenas espectadores?

 

Alguns países da região, diante do recrudescimento das lacunas sociais e da polarização política, vivem profundas e prolongadas crises. Há esperança de pacificação e de retomada do crescimento sustentável?

Isso tem a ver com o fato de como construímos a cidadania. Deixou-me muito atônito, quando fui presidente do BID, há 7 anos, saber que em mais de 20 países da região só 45% dos latino-americanos consideravam a democracia útil para melhorar suas vidas. Quando deixamos de crer na democracia, quando temos que enfrentar uma recessão democrática e quando isso abre uma fratura muito grande entre os que têm e os que não têm (recursos financeiros), e as ruas são a única resposta, a democracia fica muito debilitada. Por isso, falo tanto em construção de cidadania, da necessidade de as pessoas estarem informadas e de assumirem responsabilidades – que não é sair às ruas e quebrar vitrines, é poder entender qual é o alcance das reformas necessárias, entender que elas darão frutos com o tempo e que farão parte das instituições.

 

Há de se ter paciência! Um olhar de longo prazo hoje é fundamental, porque o mundo está se transformando de uma maneira jamais vista. Nesta próxima década, teremos mais mudanças que nos últimos 50 anos. Essa é a questão. Achar que apenas ir às ruas protestar, o que é um direito de todo cidadão, é a única porta que temos para fazer mudanças, vai nos empobrecer cada vez mais.

 

O balanço preliminar 2022 da Comissão Econômica para América Latina e Caribe constatou que é fundamental impulsionar os investimentos e a produtividade para atender às demandas sociais. Como criar empregos e reduzir a informalidade, a desigualdade e a pobreza?

O tema da produtividade, lamentavelmente, é um dos grandes problemas da América Latina. Um dos últimos relatórios do BID, quando eu ainda estava lá, mostrava que o aumento da produtividade nos últimos 15 anos havia sido zero. A produtividade é definida como uma mistura de capital, terra e mão de obra. O conjunto dessas interações, quanto mais eficiente for, mais faz crescer a economia e melhora o emprego e a qualidade de vida. Sempre me surpreendeu o enorme descaso com atitudes para o século XXI – ou seja, para as crianças. Hoje em dia, 50% dos empregados da América Latina não conseguem ser recolocados no mercado porque não têm atitudes e habilidades requeridas para este século

 

Quais são essas habilidades?

A capacidade de ter vocação para a parte tecnológica e a matemática, por exemplo, que são necessidades essenciais. Afora isso, temos a questão demográfica. A América Latina, durante anos, teve um boom demográfico. Hoje está em declínio, e vamos chegar a um ponto em que começaremos a ter uma situação parecida com a da China, com crescimento populacional negativo. O boom explicava o crescimento observado nos últimos anos, pela quantidade de gente que ingressava no mercado de trabalho. Esse é um dos amplos debates que devemos ter com a sociedade para entender como vamos nos recolocar – e a produtividade terá que ser um tema central dessa discussão.

 

A transformação e a aceleração digital em diversos setores econômicos são sem precedentes. Que oportunidades para a AL podem ser projetadas a partir dessa realidade?

Temos aqui um tema central, e creio que já avançamos muito. Há uma história de êxito no Brasil como o caso do Nubank e de outras startups criadas no País. Acho que o ecossistema de inovação tecnológica mais potente que há em toda a região está justamente no Brasil – e é muito importante seguir crescendo. Mas há também o problema de atração de talentos, não por falta de demanda, mas por falta das habilidades sobre as quais já falamos. É preciso investir cada mais vez para ter pessoas que participem dessas empresas. Indiscutivelmente, os governos devem seguir investindo para que esses ecossistemas se fortaleçam e tenham capacidade para chegar lá. O mais interessante é que muitas dessas empresas brasileiras nasceram como familiares e se tornaram globais. Pode ser uma fintech ou uma empresa de telemedicina, elas não pensam somente na região. E, ao ter esse tipo de olhar, têm muito êxito.

 

As mudanças climáticas podem ser um fator de estabilidade e oportunidades para a região?

Não há dúvidas de que será de oportunidades, e julgo que teremos que partilhar um tema grande. A América Latina responde por cerca de 8% da geografia mundial e por mais de 40% da biodiversidade global. A Amazônia é o maior depositário de emissões de carbono, e somos uma região com matriz energética bastante limpa – 70% da geração de energia da América do Sul usa água. Usamos também combustíveis fósseis, assim como avançamos muito nas fontes baseadas em energia solar ou eólica. Mas temos também 67% dos depósitos de lítio do mundo, mais de 40% de cobre (que conduz toda a energia), os carros elétricos e o etanol no Brasil. Por isso tudo, temos que exigir novas tecnologias para promover com êxito a transformação energética de que o mundo tanto precisa.

 

Qual é o cenário mais provável para o setor de seguros nos próximos anos?

A atividade seguradora depende de um amplo processo de adaptação. Mas isso exige pedagogia. É preciso entender que ter um seguro fará a diferença se houver uma calamidade com a propriedade, a família, o automóvel ou a saúde. Há mil formas de se contratar o seguro e se preparar para esses propósitos.

 

Qual é papel das seguradoras diante de desafios como mudanças climáticas, longevidade e risco de desemprego estrutural?

É um papel central. Por definição, os grandes acumuladores de poupança estão precisamente concentrados nas empresas seguradoras. A capacidade de buscar capital de longo prazo tem respondido, em boa medida, por recursos para o setor privado, investimentos em empresas e financiamento de muitos setores, inclusive de governos.